Monopólio da CSN pode acelerar inflação dos alimentos
Por Thais Fagury, Presidente da Associação Brasileira de Embalagem de Aço e da Associação Prolata
O que tem a ver uma lata de sardinha e um dos casos ocultos de monopólio no País, que pode ajudar a acelerar a inflação dos alimentos e prejudicar o consumidor com a elevação de preços de vários itens da cesta básica? Tudo.
Para explicar corretamente o que é um monopólio, vou recorrer justamente à sardinha em lata, item obrigatório na cesta básica e uma das proteínas mais acessíveis para o brasileiro, saudável e rica também em cálcio e vários outros nutrientes. Quando vai ao mercado abastecer a despensa, o consumidor pode avaliar várias marcas de sardinha e tem o poder de escolha. Pode levar para casa, por exemplo, a que está com o preço mais em conta.
Já os fabricantes de embalagens e a indústria alimentícia que as adquire para envasar seus produtos não têm este poder de escolha se quiserem comprar folhas de aço produzidas no Brasil. O único fabricante de folhas de aço laminado para embalagens é a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Por não ter concorrentes, fixa os preços que deseja, entrega o material que quer e com a qualidade que quer, desestimulando toda a cadeia produtiva e penalizando o consumidor, que acaba pagando um preço maior pelo produto final – ainda que escolha a marca de sardinha em lata mais barata. Vale ressaltar que cerca de 15% do preço dos alimentos é representado pelo custo da embalagem, de acordo com dados da Associação Brasileira de Alimentos (Abia).
O que os fabricantes de latas de aço fizeram para criar uma competição e tornar os produtos alimentícios mais acessíveis? Legitimamente começaram a importar folhas metálicas, de diversas origens como Japão, Alemanha, China, dentre outros. As folhas importadas, mais do que um preço competitivo seguindo o mercado internacional, apresentam sobretudo melhor qualidade e tecnologias mais atuais. A importação das folhas de aço pelas empresas levou a CSN a alegar, junto às autoridades, que estaria sendo prejudicada por “dumping”, ou seja: quando exportadores de determinada origem exportam determinado produto a preços mais baixos do que no seu próprio país de origem, supostamente causando dano à indústria doméstica do país de destino dessas exportações – que, no caso, é representada por uma única empresa (a CSN), um gigante que exerce monopólio há décadas, cujas folhas de aço para embalagens são pouco representativas para o seu negócio, porém com margens elevadíssimas.
Em fevereiro de 2024, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços iniciou a investigação para averiguar a existência de dumping nas exportações da China para o Brasil de folhas metálicas de aço carbono. De acordo com a Circular SECEX nº 9/2024, o preço de exportação da China para o Brasil foi de 1.292,90 US$/t, com uma margem estimada em 568,44 US$/t. Isso significa que, caso os fabricantes de latas de aço tenham maiores custos para comprar folhas metálicas de origem chinesa, a majoração de preços da matéria-prima poderia chegar a 44%.
De acordo com a Abia, acrescido do imposto de importação, atualmente em 10,8%, mais frete marítimo internacional, juros e despesas portuárias, que em seu conjunto respondem por mais de 26% de acréscimo, a imposição de direitos antidumping de até 44% representaria um peso ainda maior, da ordem de 70%.
Não existe mágica. Com a matéria-prima mais cara, os fabricantes de latas de aço seriam obrigados a repassar os custos para a indústria de alimentos. O resultado a gente já sabe: sobrará para o bolso do consumidor. A elevação no custo de aquisição das folhas metálicas, de 44%, representaria um impacto médio nos custos de produção de alimentos de 10,2%, e nos preços finais à população de 6,7%, também nos cálculos da Abia.
Isso se torna ainda mais grave em um ambiente de inflação resiliente como a que o país atravessa, com elevação, especialmente, de alimentos. E é preciso lembrar que o consumo de alimentos embalados em latas de aço é fortemente concentrado nas classes de renda mais vulneráveis, sendo a maioria dos produtos pertencentes à cesta básica, como pescados, leite em pó, milho, ervilha, seleta de legumes e leguminosas, só para citar alguns.
A sensibilidade da questão é tanta que, no último dia 23 de abril de 2024, o Comitê Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex) decidiu não elevar as alíquotas de importação de folhas metálicas de aço, usadas em embalagens de alimentos e produtos da construção civil. Na mesma reunião, foram fixadas cotas para outros 11 itens produzidos a partir do aço, com elevação de tarifas – tendo, na ocasião, o pleito da CSN de elevar o imposto de importação para as folhas metálicas sido indeferido, beneficiando assim a economia nacional e o bolso do consumidor.
Esperamos que a investigação antidumping aberta pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços seja pautada por critérios técnicos e objetivos – como tem sido a prática do Ministério –, sempre atento também aos eventuais impactos sobre a sociedade brasileira e as demais indústrias afetadas por tal medida, de modo a priorizar os interesses do cidadão brasileiro em relação aos da CSN e de seus acionistas.
Thais Fagury,
Presidente da Associação Brasileira de Embalagem de Aço e da Associação Prolata
Sobre a Abeaço
Fundada em maio de 2003, a Associação Brasileira de Embalagem de Aço (Abeaço) foi criada com o objetivo de fortalecer a imagem da embalagem de aço, além de dar suporte técnico e mercadológico aos seus fabricantes. Sem fins lucrativos, a entidade investe e apoia iniciativas de gestão ambiental, sobretudo quando associadas a finalidade social, e aproxima os interesses de toda a cadeia produtiva. A instituição soma esforços para fomentar pesquisas, desenvolver campanhas de esclarecimento, participar de eventos e divulgar as características das latas de aço. Hoje, a Associação reúne empresas do setor interagindo intensamente com entidades empresariais, fabricantes de embalagens, organizações ambientalistas e o governo, sempre em observância aos cuidados de compliance concorrencial.
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