Museu Nacional da República recebe exposição do cineasta e fotógrafo Jorge Bodanzky, com obras produzidas durante a ditadura militar
- Rodrigo Carvalho
- há 4 dias
- 6 min de leitura

A exposição Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985 chega ao Museu Nacional da República, em Brasília, no dia 12 de junho, após passar por São Paulo (SP) e Fortaleza (CE). Idealizada pelo Instituto Moreira Salles (IMS), a mostra tem curadoria de Thyago Nogueira, com assistência da Horrana de Kassia Santoz e pesquisa de Ângelo Manjabosco e Mariana Baumgaertner. No dia da abertura (12/6), às 19h, haverá uma visita guiada com Bodanzky, seguida de sessão de autógrafos do catálogo da exposição, que estará à venda no espaço.
Com entrada gratuita, a exposição reúne obras do fotógrafo, repórter e cineasta Jorge Bodanzky (1942) concebidas durante a ditadura militar brasileira, incluindo trechos de sete filmes dirigidos por Bodanzky, fotografias e projeções em super-8 que integram o acervo do IMS, e reportagens audiovisuais feitas para a televisão alemã, entre outros materiais.
Bodanzky é autor de ampla produção visual, com foco na Amazônia, na cultura popular e nos conflitos sociais do país. Nascido em São Paulo, em 1942, é filho de austríacos que imigraram para o Brasil fugindo da perseguição nazista. Em 1964, ingressou na segunda turma da recém-criada Universidade de Brasília, onde diz ter formado seu senso estético e seu interesse social. Com o cerco da ditadura militar, seguiu para a Alemanha em 1966, onde estudou cinema em Ulm, com o renomado Alexander Kluge. Em 1968, retornou para o Brasil e passou a fotografar para as revistas Manchete e Realidade, entre outras, além de atuar como diretor de fotografia em clássicos do Cinema Marginal. Em 1971, estreou como diretor de cinema com o média-metragem Caminhos de Valderez, codirigido com Hermano Penna, e filmado em Brasília. Nos anos seguintes, realizou inúmeros filmes.
Durante o período da ditadura militar, viajou sobretudo para as regiões Norte e Nordeste, retratando, por um lado, a efervescência cultural e, por outro, a violência no campo e a devastação ambiental causadas pelas políticas desenvolvimentistas dos governos autoritários. Enfrentando a censura e a falta de financiamento nacional, concebeu obras que questionavam a ideia do progresso propagandeada pela ditadura e mostravam a realidade do país, além de tensionarem os limites entre verdade e ficção.
Na exposição, quatro grandes telas de projeção exibem cenas dos principais filmes do cineasta feitos no período, reorganizadas em função de eixos temáticos como as formas de exploração do trabalho, os movimentos de luta e resistência, a religiosidade e a espiritualidade populares, e as distintas visões de progresso. Cada projeção tem cerca de 25 minutos.
Entre os títulos incluídos, está Iracema, uma transa amazônica (1974), codireção de Orlando Senna, obra mais conhecida e premiada de Bodanzky. O longa-metragem narra a história de uma jovem mulher indígena (interpretada por Edna de Kássia), forçada à prostituição, e um caminhoneiro gaúcho (interpretado por Paulo César Pereio), que vê na recém-construída rodovia Transamazônica sua chance de enriquecer. Iracema denuncia a violência do projeto desenvolvimentista da ditadura militar na Amazônia e ao mesmo tempo reinventa o limite entre filmes de documentário e de ficção no cinema brasileiro. O filme estreou na tevê alemã. Apesar do sucesso internacional, permaneceu censurado no Brasil até 1981.
São exibidas também cenas de Gitirana (1975), dirigido com Orlando Senna. O roteiro do filme se desenvolve a partir de várias histórias de cordel, entrelaçadas pela mesma personagem, cuja vida sofre uma drástica transformação ao ser forçada a deixar sua terra devido à construção da barragem em Sobradinho, na Bahia. Um dos filmes mais duros de Bodanzky, feito no ano da redemocratização, Igreja dos oprimidos (1985), codireção de Helena Salem, denuncia a violência no campo através da atuação da Igreja Católica progressista e da Teologia da Libertação na luta por reforma agrária em Conceição do Araguaia (PA).
Em Terceiro milênio (1980), Bodanzky acompanha o senador amazonense Evandro Carreira em uma viagem pelo rio Solimões durante sua campanha pelo governo do estado. O filme, dirigido em parceria com Wolf Gauer, registra o deslocamento do político e sua interação com madeireiros, ribeirinhos e indígenas ao longo do percurso. A seleção inclui ainda o longa de ficção Os Mucker (1978), baseado em revolta histórica ocorrida no Rio Grande do Sul; Jari (1979), documentário dirigido com Wolf Gauer para denunciar a destruição da Amazônia e a precarização dos trabalhadores no empreendimento do empresário americano Daniel Ludwig; e o média Caminhos de Valderez (1971), primeiro filme de Bodanzky, rodado em Brasília e no Vale do Amanhecer.
A mostra também exibe trechos de filmes em que Bodanzky colaborou como diretor de fotografia, formando sua maneira de filmar e encarar o cinema, entre eles Hitler IIIº mundo (1968), de José Agrippino de Paula, Compasso de espera (1973), de Antunes Filho, e O profeta da fome (1970), de Maurice Capovilla.
Outro núcleo importante da mostra traz reportagens e programas institucionais feitos por Bodanzky para a tevê alemã, pouco conhecidos no Brasil. Estão incluídos um documentário feito com estudantes da Escola de Ulm sobre a repercussão do assassinato de Benno Ohnesorg durante protesto contra a visita do xá do Irã à Alemanha, em 1967; registros da detenção do grupo de teatro The Living Theatre em Ouro Preto, em 1971; as associações culturais comunitárias no governo de Salvador Allende em 1971, pouco antes do golpe militar no Chile; e um filme que traça um paralelo entre a vida de dois operários da Volkswagen, um no Brasil e outro na Alemanha. No grupo de reportagens, é destaque um pequeno trecho mudo de uma entrevista com o general Hugo Banzer, pouco depois de ele tomar o governo da Bolívia através de um golpe de Estado, em 1971.
Desde 2013, o IMS preserva a obra fotográfica e os filmes super-8 de Bodanzky. Nas paredes da exposição, o visitante encontrará ainda fotografias feitas pelo artista nas décadas de 1960 e 1970, durante suas viagens pelo Brasil. Há imagens experimentais produzidas em Brasília, cenas de reportagens feitas para a revista Realidade e flagrantes do cotidiano do país. Na obra fotográfica, chama a atenção o uso do para-brisa de carros, aviões ou helicópteros para enquadrar a realidade, um recurso que sugere a formação do olhar narrativo e cinematográfico de Bodanzky.
Muitos de seus filmes super-8 também são apresentados pela primeira vez na exposição. Mudos e com rolos de curta duração, os super-8 eram usados na prospecção de locações e no exercício livre da linguagem fotográfica, A exposição reúne, por fim, entrevistas recentes com Bodanzky, as atrizes Edna de Cássia, do filme Iracema, e Valderez, de Caminhos de Valderez, além de análises de críticos como Claudia Mesquita, professora da UFMG, e do cineasta e historiador Joel Zito Araújo.
Jorge Bodanzky comenta a exposição e o caráter político da produção apresentada: “É realmente incrível a possibilidade de poder mostrar ao público meus arquivos de filmes, fotografias, vídeos e super-8 simultaneamente. Isso só foi possível porque, ao tempo em que eu filmava, ia fotografando e registrando para mim, como numa espécie de caderno de notas, todas as experiências vividas, os fatos observados. Passados tantos anos, fica nítido que esse vasto material compõe um todo, uma parte iluminando a outra e formando um conjunto único, orgânico.” Sobre o período contemplado na mostra, o artista também afirma: “Escolher o período da ditadura militar é igualmente oportuno, pois sem uma leitura lúcida do passado, que talvez a exposição provoque, não conseguiremos vislumbrar um futuro democrático e livre para o nosso país”.
Ainda sobre as obras exibidas, e a possibilidade de assisti-las no contexto atual, o curador Thyago Nogueira ressalta: “Boa parte desta produção ainda é pouco conhecida, seja em razão da censura da época, da falta de financiamento nacional ou do reduzido circuito de exibição dedicado ao cinema ativista. Em conjunto, esta obra revela o papel crucial das imagens na luta por direitos e na compreensão do panorama complexo e muitas vezes contraditório do país. A produção de Bodanzky é um convite urgente e atual para repensar a democratização do país e a renovação do cinema político.”
Sobre a circulação da mostra no Museu Nacional da República, a diretora Fran Favero comenta a relevância de receber o trabalho de Jorge Bodanzky na capital federal: “É um imenso privilégio receber a produção de Bodansky em Brasília, cuja trajetória está marcada por sua passagem pela cidade e pela UnB. O Museu Nacional da República Honestino Guimarães possui em seu próprio nome uma homenagem a um dos muitos desaparecidos políticos da ditadura. Receber esta exposição que discute esse período político, em uma instituição localizada no coração da capital federal, é uma oportunidade única para reflexões coletivas acerca do passado e futuro do país”.
Acompanha a exposição um catálogo com fotos, cronologia completa, entrevista com Bodanzky, além de textos de Ailton Krenak, Claudia Mesquita, Joel Zito Araújo, Horrana de Kássia Santoz e Luara Macari.
Serviço
Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985
Abertura: 12 de junho, às 19h, com visita guiada com Bodanzky, seguida de sessão de autógrafos do catálogo da exposição
Visitação: até 21 de setembro
Museu Nacional da República
Terça a domingo
9h às 18h30
Entrada gratuita
Setor Cultural Sul, Lote 2, Cep 70070-150, Brasília – DF
Comentários