Museu Vivo da Memória Candanga apresenta | Entre-Lugar: Trajetórias | De Célia Matsunaga e Nilce Eiko Hanashiro | Fotografias, objetos e instalação
- Rodrigo Carvalho
- há 13 minutos
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No dia 1º de novembro, às 15h, o Museu Vivo da Memória Candanga abre ao público a mostra fotográfica “Entre-Lugar: Trajetórias”, que reúne fotos de álbuns de famílias de origem japonesa e das artistas visuais Célia Matsunaga e Nilce Eiko Hanashiro. Com curadoria de Gladstone Menezes, a exposição recupera uma história da construção de Brasília que se mistura com a trajetória da imigração japonesa no Brasil e se manifesta na produção artística de Eiko Hanashiro. A mostra ficará em cartaz até o dia 20 de dezembro, de segunda a sábado, das 9h às 17h. A entrada é gratuita e a classificação indicativa é livre para todos os públicos. Para pessoas com baixa visão e cegas, a mostra oferece materiais em braile e audiodescrição das obras. O Museu Vivo da Memória Candanga está localizado no Lote D, Setor Juscelino Kubitschek, Núcleo Bandeirante, Brasília-DF. Este projeto é realizado com o patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC-DF).
A mostra reconta a história da imigração japonesa para o Brasil e como algumas dessas famílias ajudaram a construir Brasília, a partir dos acervos fotográficos das famílias Hanashiro e Matsunaga, pioneiras na região. A exposição segue uma linha do tempo traçada entre imagens e relatos históricos e afetivos dos álbuns de família. As histórias das famílias caminharam em paralelo até o encontro entre as duas artistas nos anos 1990. A obra de Eiko Hanashiro, por meio de performances, instalações e fotografias, ressignifica memórias familiares e aborda temas como identidade, ancestralidade e pertencimento. Já a obra de Célia Matsunaga revela que o visível não é tudo: há uma estrutura oculta que sustenta a experiência estética — pausas visuais, espaços vazios ou saturados, limites não marcados, formatos ambíguos, indícios e sugestões.
O registro da trajetória dos japoneses e de seus descendentes nipo-brasileiros, ao longo de quase 120 anos, é de valor inestimável para a compreensão da formação social e cultural do Brasil. Eles chegaram a Brasília antes mesmo de sua fundação, contribuíram para a construção da cidade como candangos e tiveram participação essencial em seu processo de consolidação. "Entre-Lugar: Trajetórias propõe compartilhar um conjunto de lembranças que reafirmam a memória como uma das mais valiosas ferramentas de transformação e construção do futuro", afirma o curador Gladstone Menezes.
A mostra é formada por fotografias, instalações e objetos. A instalação “Noivos” foi o primeiro trabalho de Nilce Eiko Hanashiro voltado ao resgate da memória. Inspirada na tradição japonesa dos casamentos arranjados, a artista dispôs em sequência fotografias de noivos e noivas, evidenciando expressões de seriedade e diferenças sociais entre os trajes. As imagens originais, de 1994, foram ampliadas com fotos das famílias Matsunaga e de museus virtuais.
A videoinstalação “3x4”, ainda inacabada, reúne cem retratos 3x4 de japoneses, descendentes e da própria artista, sonorizados com canções e provérbios okinawanos gravados por Yoshiko Hanashiro. A obra é um autorretrato coletivo, que mistura identidades e reafirma a diversidade cultural da artista. Em “Leques” (2000), performance registrada em vídeo, Nilce utiliza o leque — símbolo tradicional japonês de feminilidade e delicadeza. Ao incendiá-lo, ela inverte sua função e questiona tradições e papéis de gênero.
A obra de Célia Matsunaga evidencia que o visível não é tudo, revelando estruturas ocultas nas dobras, tipografia e design, onde forma e ideia se tornam inseparáveis. Os livros que a artista apresenta na mostra propõem percursos visuais e sensoriais, convidando o leitor à interação e à contemplação do ritmo das páginas. “Véu de Noiva” (2012) apresenta tipos recortados manualmente em papel vegetal, criando uma cascata translúcida que se transforma com o tempo. “Amazônia” (2017) utiliza imagens monocromáticas recortadas horizontalmente, simbolizando a efemeridade da paisagem e exigindo cuidado do leitor-contemplador. “Re-encontrar” (2012), em parceria com Daniel Mira, combina tipografia digital ilegível e desenhos orgânicos, gerando diálogo entre geometria e pulsação visceral. “A Casa” (2025) suspende páginas na parede como bandeirolas de seda, convidando o público a reviver memórias da Brasília primitiva e a sentir o espaço de forma sensorial.
Okinawa-Brasília
A imigração japonesa no Brasil começou em 1908, com a chegada de 793 imigrantes a bordo do navio Kasato Maru. Hoje, o país abriga mais de 2 milhões de japoneses e descendentes, sendo a maior comunidade nikkei fora do Japão; no Distrito Federal, são cerca de 10 mil pessoas. A família Hanashiro, originária de Okinawa, chegou ao Brasil nas primeiras levas do século XX. Seitei Hanashiro imigrou em 1937, trabalhou em plantações de café e depois se fixou no Vale do Ribeira, onde se casou com D. Amélia, uma nissei.
O casal Matsunaga, Tokichi e Kane, veio de Tóquio em 1919, estabelecendo-se no interior paulista nos ramos da lavoura e do transporte. Com a política de povoamento de Brasília, na segunda metade dos anos 1950, ambas as famílias se mudaram para a nova capital. Os Hanashiro fixaram-se na Vargem Bonita e depois na Cidade Livre (atual Núcleo Bandeirante). Os Matsunaga, por acaso em viagem, adquiriram um terreno no local e fundaram a Viação Pioneira, que operou até os anos 1980. Em 1961, os Hanashiro mudaram-se para a Asa Norte, consolidando o comércio de máquinas agrícolas. Nilce Eiko Hanashiro, filha caçula, orgulhava-se de ser candanga e descendente de pioneiros japoneses.
"A mostra que abre em novembro é um registro histórico e, ao mesmo tempo, afetivo — uma homenagem aos milhares de japoneses, seus filhos e netos — brasileiros antes de tudo — que participaram de maneira tão significativa na construção de Brasília e na formação social e cultural do país", diz Gladstone. "Realizar essa exposição no Museu da Memória Candanga carrega em si um caráter de resgate da memória do espaço. Ele está esquecido e foi deixado de lado. A memória de Brasília está se deteriorando", alerta o curador.
Sobre as artistas
Artista, designer gráfica, professora e doutora em Arte e Tecnologia, Célia Matsunaga chegou ainda criança a Brasília. Sua obra situa-se na intersecção entre arte visual, design e pensamento editorial. Sua investigação estética se volta para o material impresso — a materialidade da tipografia, a encadernação, a textura do papel, o peso, as dobraduras, os espaços vazios e preenchidos e a imagem — como elementos poéticos e construtivos, enfatizando aquilo que é invisível no processo de percepção e representação. Para ela, o livro é um espaço de experimentação sensorial e conceitual, em que texto, imagem e matéria se entrelaçam para construir ou desconstruir ideias, narrativas e afetos.
Nilce Eiko Hanashiro faleceu em 2015. Iniciou a trajetória artística participando de salões de arte promovidos pela comunidade japonesa em São Paulo. A partir de 1977, a carreira sedimentou-se, ao frequentar a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, onde estudou com o seu grande mestre Roberto Magalhães e conviveu com o grupo de artistas e críticos que viriam a construir o cenário da arte brasileira a partir dos anos 1980. No final daquela década, retornou a Brasília. Passou a utilizar as linguagens da performance e da instalação e do registro fotográfico, na maioria das vezes associados e vinculados à temática feminina e/ou ao resgate da memória ancestral. Em alguns desses trabalhos, Eiko deslocava fotografias dos álbuns de família, possuidoras de grande carga afetiva pessoal, para o espaço artístico, ressignificando e redirecionando assim conceitos de memória e pertencimento contidos nas fotos.
Sobre o curador
Gladstone Menezes é artista, escritor e produtor cultural. Possui formação em Artes Cênicas e Visuais. Desde 2005 trabalha com elaboração de projetos, coordenação, expografia e curadoria de exposições de artistas residentes em Brasília, tais como Antologia – Nilce Eiko Hanashiro (2019), no Museu Nacional da República, com curadoria compartilhada com Fernando Cocchiarale; expografia de Urômelos, coelhinhos e quimeras (2018), do artista Antonio Carlos Elias, com curadoria de Renata Azambuja, no Museu Correios, Brasília. Em 2015 elaborou, em conjunto com Renata Azambuja, o projeto da exposição Deitei para repousar e ele mexeu comigo, do artista mineiro Fabio Baroli, no Centro Cultural Banco do Brasil-Brasília-DF.
Serviço:
Entre-Lugar: Trajetórias
Fotografias, instalação e objetos
Obras de | Célia Matsunaga e Nilce Eiko Hanashiro
Curadoria | Gladstone Menezes
Abertura | 01/11, às 15h, com visita mediada à mostra pelo curador
Visitação | Até 20/12 De segunda a sábado, das 9h às 17h
Onde | Museu Vivo da Memória Candanga
Endereço | Lote D Setor Juscelino Kubistchek, Núcleo Bandeirante, Brasília-DF
Entrada | Gratuita
Classificação indicativa | Livre para todos os públicos
Projeto realizado com o patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC-DF)






