O olhar indígena contemporâneo de Ziel Karapotó sobre as obras de Rugendas, iconógrafo do Brasil no século XIX
- Rodrigo Carvalho

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De 9 de novembro de 2025 a 1º de fevereiro de 2026, a CAIXA Cultural Brasília apresenta a exposição “Todos falam de mim, ninguém me representa: um olhar indígena sobre a obra de Rugendas”, com realização do Instituto Ricardo Brennand. A mostra apresenta um diálogo inédito entre o artista alemão Johann Moritz Rugendas (1802–1858) e a produção contemporânea do artista visual indígena Ziel Karapotó, um dos representantes do Brasil na 60ª Bienal de Veneza (2024).
Alagoano radicado em Pernambuco, Ziel Karapotó é oriundo da comunidade Karapotó Terra Nova e vive atualmente na Reserva Indígena Marataro Kaeté, do povo multiétnico Karaxuwanassu, em Igarassu (PE). Reconhecido por construir narrativas com protagonismo indígena, o artista desafia os discursos historicamente impostos sobre os povos originários. Em sua proposta, ele estabelece uma interlocução entre suas obras e 12 litografias aquareladas de Rugendas pertencentes ao acervo do Instituto RB. Enquanto o pintor europeu retratava indígenas e pessoas escravizadas no século XIX sob uma ótica eurocêntrica, Karapotó oferece uma releitura crítica, poética e decolonial dessas representações.
Já Johann Moritz Rugendas, autor de importante registro iconográfico, documentou paisagens, fauna, flora e os costumes de diversos grupos sociais, incluindo indígenas e escravizados. O que o fez conhecido por suas ilustrações detalhadas do Brasil, especialmente, mas também de outros países da América Latina. Sua primeira vinda ao Brasil foi em 1821 integrando a Expedição Langsdorff, mas a abandonou no intuito de criar sua própria documentação. Produção que foi publicada em 1835 no álbum Voyage Pittoresque dans le Brésil.
A curadoria é assinada pelo próprio artista em parceria com a antropóloga e diretora do Instituto Ricardo Brennand, Nara Galvão. Juntos, constroem uma contranarrativa iconográfica e pictórica, propondo novas paisagens, diálogos e reflexões sobre as formas como os povos indígenas foram representados ao longo da história da arte e da formação da imagem nacional.
“Esta exposição reafirma o compromisso da CAIXA Cultural e do Instituto Ricardo Brennand com a difusão da cultura brasileira, ao abrirem espaço para que artistas contemporâneos se tornem protagonistas de suas próprias histórias”, afirma Ziel Karapotó. A mostra inclui uma grande instalação individual, resultado de quatro anos de pesquisa sobre a obra de Rugendas, além de vídeos, performances, fotografias, pinturas e desenhos. A proposta não apenas revisita o passado, mas também convoca o público a repensar os modos de ver e narrar a história a partir de outras epistemologias.
Para Nara Galvão, dar visibilidade às pesquisas e criações de artistas indígenas é também fortalecer uma museologia experimental e plural: “essas iniciativas oferecem uma plataforma fundamental para que os artistas compartilhem suas perspectivas, culturas e histórias próprias, promovendo autorrepresentação e reconhecimento dentro do sistema da arte”, destaca.
A exposição reforça a importância de valorizar a diversidade étnica e cultural do Brasil, país que abriga mais de 370 povos indígenas e 270 línguas, segundo o Censo 2023. Também funciona como uma ferramenta de aplicação da Lei 11.645, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura indígena nas escolas, integrando ações educativas voltadas ao público visitante.
Com uma trajetória marcada pela recodificação das linguagens artísticas hegemônicas, Ziel Karapotó vem se consolidando como um dos nomes centrais da arte contemporânea indígena no Brasil. Além da Bienal de Veneza (2024), o artista participou da Mostra Sesc de Artes Indígenas Contemporâneas (2016) e da exposição Histórias Indígenas, no MASP (2023–2024).
Ao longo de seus 23 anos de atuação, o Instituto Ricardo Brennand se firmou como um dos mais importantes espaços culturais do país, abrigando um vasto acervo histórico e artístico e desenvolvendo projetos de Arte/Educação e Educação Patrimonial. Em sintonia com o presente, o Instituto vem ampliando seu diálogo com a arte contemporânea, promovendo mostras como “OSGEMEOS: Nossos Segredos” e “Vik Muniz: A Olho Nu”. A realização da exposição “Todos falam de mim, ninguém me representa” na CAIXA Cultural Brasília marca o início de um projeto de circulação nacional do acervo do Instituto RB, reafirmando o compromisso da instituição com a valorização da arte e da cultura brasileiras.










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