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Bonecas reborn e o vazio da conexão humana: Especialista alerta para os reflexos de uma sociedade em crise emocional

As bonecas reborn — réplicas hiper-realistas de bebês — vêm ganhando espaço em lares, clínicas e debates públicos. Enquanto para alguns elas funcionam como ferramentas de conforto emocional, para outros, despertam inquietações sobre limites psicológicos, substituições simbólicas e até potenciais riscos de desvio de uso. O crescimento desse fenômeno revela muito mais do que uma tendência estética ou terapêutica: aponta para carências emocionais profundas de uma sociedade cada vez mais desconectada de vínculos reais.

A princípio, essas bonecas têm sido utilizadas por pessoas que enfrentam dores silenciosas como perdas gestacionais, infertilidade ou traumas afetivos. Também há registros de seu uso em contextos geriátricos, especialmente com idosos diagnosticados com demência, como forma de estimular memórias afetivas e promover bem-estar emocional.

Mas especialistas alertam: a linha entre apoio simbólico e dependência emocional pode ser tênue. O uso sem acompanhamento psicológico pode camuflar lutos mal elaborados, frustrações reprimidas e até quadros clínicos mais graves. O risco não está na boneca em si, mas na função emocional que ela assume quando passa a ocupar o lugar de relações humanas reais.

Para o sociólogo e especialista em comportamento digital Marcelo Senise, o fenômeno das reborn é apenas um dos espelhos de uma sociedade marcada por isolamento, hiperconexão digital e fragilidade emocional. “As bonecas reborn não são o problema — são sintoma. Sintoma de uma cultura que tenta anestesiar o sofrimento com o controle. Elas oferecem a ilusão de um afeto sem conflito, de uma presença que nunca abandona. Mas isso revela o quanto estamos tentando substituir o imprevisível das relações humanas por vínculos artificiais”, explica.

Senise observa que o foco nas reborn muitas vezes desvia a atenção de problemas sociais muito mais urgentes. “Enquanto parte da sociedade demoniza o uso dessas bonecas, ignoramos o fato alarmante de que o Brasil está entre os maiores consumidores de pornografia infantil do mundo. E Brasília lidera esse ranking nacional. É um paradoxo cruel: condenamos simbolismos enquanto fechamos os olhos para crimes reais”, denuncia.

Segundo ele, esse deslocamento do debate serve como uma forma de catarse coletiva, onde o desconforto é projetado em objetos — enquanto práticas digitais nocivas continuam a se alastrar sem enfrentamento concreto. A internet hoje oferece fácil acesso a conteúdos ilegais, e operações como a "Turko", da Polícia Federal, ou ações de grupos como o Anonymous, têm revelado redes subterrâneas ativas e organizadas que ameaçam a segurança de crianças e adolescentes.

Nesse contexto, o culto às bonecas reborn se encaixa em uma lógica maior: a do isolamento digital. Crianças e adolescentes crescem imersos em telas, onde vínculos afetivos são mediadas por avatares, curtidas e chats instantâneos. As interações reais, imprevisíveis e desafiadoras, vão sendo substituídas por experiências controladas — sejam elas digitais ou simbólicas.

“Estamos vivendo uma infantilização afetiva coletiva. Evitamos o confronto, fugimos do incômodo, e buscamos afetos embalados e previsíveis. Seja nas redes sociais ou em objetos como as reborn, o que se procura é controle emocional absoluto. Mas isso é justamente o oposto da experiência humana”, aponta Senise.

As bonecas reborn, por si só, não são vilãs nem salvação. O que importa é a forma como a sociedade lida com os motivos que levam à sua procura. Há uma urgência em criar espaços de escuta, acolhimento e vínculo reais — especialmente num tempo em que a solidão se mascara de conexão e o afeto se esconde em objetos. “Em vez de julgar o que consola, é preciso entender o que dói. E, mais do que nunca, voltar a construir relações que não possam ser desligadas com um botão”, conclui.


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