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Casa de Criadores N57 abre seu calendário articulando moda e arte com a exposição “Qual Moda, para Qual Mundo?”

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“Qual Moda, para Qual Mundo?” é a pergunta que norteia todas as ações da Casa de Criadores (CdC), como maior plataforma propulsora da moda e demais segmentos criativos autorais no Brasil. Nesta edição N57, ela se torna ainda mais palpável ao tomar corpo numa exposição e num ciclo de mesas redondas, parte do calendário oficial junto com os 39 desfiles previstos. O espaço expositivo da mostra se integra à passarela da CdC N57 na sala Flávio de Carvalho do Centro Cultural São Paulo (CCSP), e ficará aberto entre os dias 3 e 14 de dezembro recebendo as criações de 15 estilistas participantes dentre o total histórico das 58 marcas componentes da edição N57.

 

Para a curadora da exposição, a artista plástica Karlla Girotto, a busca é por ampliar uma questão que, há décadas, atravessa debates estéticos, políticos e ambientais: que planeta a sociedade está, de fato, disposta a construir? Na visão de Karlla, a pergunta desloca a discussão da sustentabilidade — já esvaziada por um sistema que se provou insustentável — para a urgência da regeneração. Regenerar não é manter o que existe: é transformar. É cuidar da vida, restaurar vínculos e imaginar ecologias onde corpos, saberes e fazeres não sejam exauridos, mas nutridos.

 

Como um manifesto espacial, a expografia de Fábio D’Elia toma os textos como matéria expositiva: curadoria, crítica-afetiva, direção e pensamentos do processo tornam-se parte da visualidade. Os painéis escritos se instalam como corpos que falam, contrapondo-se ao silêncio imposto por um sistema que produz abundância de imagens, mas pobreza de pensamento. Na mesma direção crítica, esculturas produzidas com roupas recolhidas em ecopontos evocam as montanhas de descarte do deserto do Atacama — resíduos das lógicas de luxo que preferem destruir a democratizar o acesso. O gesto materializa a violência estrutural que transforma o planeta em depósito.

 

A identidade visual criada por Bruno Abatti condensa essa urgência no símbolo da exclarrogação — a fusão entre interrogação e exclamação —, iconografia que afirma que a pergunta só existe porque a urgência grita. O texto crítico-afetivo de Hanayrá Negreiros atravessa a exposição como uma convocação sensorial: não se pensa o mundo apenas pela cabeça, mas pelo corpo que sente, que toca, que se transforma diante das obras. Nesse ecossistema, cada artista formula um posicionamento, convertendo moda, imagem e corpo em práticas de imaginação política.

 

Alexandre dos Anjos, na instalação “Função Noturna do Ouro”, reorganiza o tempo como matéria maleável. Amuletos, objetos, bolsas de mandinga e uma cosmologia de avós, ervas e feitiços se entrelaçam em camadas que denunciam também quando o feitiço vira fetiche — quando aquilo que é força espiritual é reduzido a produto. Seu trabalho produz uma circunscrição encantada que conecta vida, materialidade e invisível.

Em “Clóvis”, de A Versão + Visão Cega, o Bate-Bolas de Madureira emerge como figura insurgente que expõe outras estéticas e subjetividades que escapam às vitrines e shopping centers. A obra parte do território e da experiência dos artistas para afirmar modos de existir que resistem à homogeneização e celebram códigos visuais produzidos nas periferias.

 

Chorume Fashion, com “Boomerang”, tensiona o ciclo global de descarte têxtil e evidencia como o lixo da indústria é facilmente manipulado para se tornar novamente desejo. Em cores explosivas, o trabalho devolve ao espectador a violência do sistema que transforma excesso em paisagem tóxica — e que faz da crise ambiental um efeito direto da sofreguidão da moda.

 

“Barrankera”, de Trashrealoficial, nasce do deslocamento entre margens e memórias: corpos ribeirinhos, cosmologias afrodiaspóricas, trânsito entre águas e histórias. O manequim suspenso torna-se corpo e continente, marcando beleza e saberes invisibilizados. O curta-metragem que integra a instalação articula deslocamento e pertença, afirmando o trânsito como ética e estética.

 

Em “Téssera”, Diego Gama constrói mosaicos híbridos feitos de materiais orgânicos recolhidos em diferentes cidades. São vitrais contemporâneos que deixam a luz atravessar afetos, parentescos não hegemônicos e estruturas de cuidado. O corpo, para o artista, é relação: aquilo que toca, abriga e se transforma no encontro.

 

Erico Valença, com “Título no Verso da Tela”, instaura um ambiente hospitalar em que frases como “preciso de dinheiro para não morrer” operam como monitor vital. Uniformes, PVC de cortinas frigoríficas e uma tela que expõe a sentença “sistema obsoleto” revelam o colapso de um mundo no qual a sobrevivência depende do pagamento. A obra é clínica e denúncia simultaneamente.

 

Fernando Cozendey, em “Experimento Lycra Sobre Tela, com Bar-ra Funda e Perigosa”, desloca recortes em lycra — historicamente associados ao corpo — para o campo da pintura. O gesto revela a arbitrariedade das fronteiras entre arte e moda e como hierarquias disciplinares operam para desvalorizar técnicas densamente corporais e políticas.

Em “Não Esqueceremos”, Jal Vieira borda com linha vermelha sobre 14 mil pregos brancos a frase “meus sonhos não podem findar numa bala branca”. A obra escancara a permanência da violência racial e recusa a anestesia que normaliza a morte de corpos negros. O bordado — cuidado — fricciona com o prego — brutalidade — criando uma superfície que é ferida e, ao mesmo tempo, denúncia.

 

Mateos Quadros, em “Corset 3D”, aprisiona um corset entre chapas de policarbonato, comprimindo tridimensionalidade e memória. O gesto expõe como tecnologias — industriais, digitais, sociais — moldam corpos, produzem docilidades e capturam silhuetas. O corset torna-se vestígio, arqueologia e crítica ao disciplinamento.

A Plataforma Açu, em “O Que Contém”, cria um vídeo-arquivo de cinco anos de convivência, gestos e relações. O trabalho revela a moda como resultado de ecologias afetivas — roupas que nascem de encontros, de improvisos, de cuidados compartilhados.

 

Visén, com “Ruínas e estórias escritas”, instala suas esculturas vestíveis no imaginário do centro histórico de São Paulo — território de higienismo, disputa por moradia, ruína neocolonial e abandono estatal. Suas peças-casas inscrevem presenças insurgentes que abrem fissuras na narrativa oficial e confrontam desigualdades.

Em “Qual ancestral você quer ser?”, VOLAT convoca sua mãe e avó — costureiras, bordadeiras, crocheteiras — como linhagens vivas que sustentam sua prática. O filme de 46 minutos revela fazeres transmitidos pelas mãos e afirma a ancestralidade como escolha: que futuro oferecemos ao que virá?

 

Por fim, Vou Assim, em “Útero Transmutador”, apresenta a metodologia da transmutação têxtil como gesto de gestação coletiva. Restos, sobras e afetos formam um útero expandido, onde parentescos não biológicos tecem mundos possíveis e sobrevivências políticas.

 

A exposição “Qual moda, para Qual Mundo?” não procura responder, e sim convocar. Convoca a perceber o vestível como campo de disputa, espaço de invenção e tecnologia de cuidado. A mostra propõe que regenerar não é apenas reparar danos, mas criar outras condições de existência, imaginar outras formas de vida em que a moda deixa de ser engrenagem de um sistema de exaustão e se torna parte da reconstrução de mundos habitáveis. 

ServiçoCASA DE CRIADORES 57 – EXPOSIÇÃO “QUAL MODA, PARA QUAL MUNDO?”

Data: De 3 de dezembro, quarta-feira, a 14 de dezembro de 2025, domingo

Horário: De 10h às 22h

Local: Centro Cultural São Paulo - Rua Vergueiro, nº 1000, sala Flávio de Carvalho, bairro Liberdade, CEP 01504-000, São Paulo - SP

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