Festival Marco Zero, de dança em espaços públicos, chega à sua 6ª Edição
A rua é um espaço múltiplo onde a coletividade expressa sua potência e pessoas das mais distintas realidades e origens estão expostas ao encontro fortuito. Ali celebrações populares acontecem. Manifestações políticas, religiosas, laborais e artísticas nascem e se desenvolvem. A rua representa a fusão do mundo ordinário, cotidiano, corriqueiro e das manifestações extraordinárias, imponderáveis. Escolher agir nesse espaço de resistência- eminentemente feito de memórias, de fluxos e presenças distintas -, é o fio condutor do Festival Marco Zero desde a sua primeira edição, em 2006.
Nesta sexta edição, que acontece entre 21 e 28 de julho de 2023 em vias públicas do Plano Piloto, Ceilândia e Taguatinga, a curadoria selecionou trabalhos artísticos que tocam, direta ou indiretamente, no tema da coletividade, sua produção, agentes e políticas. Compreendendo a rua como lugar de sinergia e conflitos entre potências estéticas de diferentes culturas, a equipe curatorial, composta por quatro artistas, buscou dedicar especial atenção a artistas/produções pretas, indígenas, LGBTQIAPN+ e de pessoas com deficiência.
A curadoria, ela mesma diversa em sua composição, reforça que “nossa visão insiste em apresentar uma confluência com nossas necessidades, as pessoas que dançam nesse festival estão falando de feminicídio, ancestralidade indígena e preta por meio de suas criações”, delineia Barbara Matias, indígena do Povo Kariri e uma das curadoras do Festival. Para Bárbara, a rua é, antes de qualquer coisa, um lugar que já foi floresta. “Quando a pisamos, estamos pronunciando o desejo de segredar com ancestrais e, nesse desejo do corpo, nos retroalimentar na paisagem. Nosso desejo é alongar a musculatura para ativar a arqueologia de uma memória que dança para lua, para o sol, para a pessoa em situação de rua, para o político que passa na avenida em seu carro importado, para a criança indígena. Dançar pelo desejo de deslocar-se das dores, para expor as dores e dançar para plantar sonhos”, acentua.
Ativar manifestações artísticas em locais com forte presença de transeuntes e nos horários de maior movimento é evocar a força do caminho bifurcado, da encruzilhada, onde rotas, pessoas e a natureza se encontram formando a paisagem urbana em um movimento cíclico, ininterrupto, como o próprio pulsar da vida. É assentar “uma sinergia com os fazeres das celebrações e festas pretas e populares” como propõe a curadora Ivana Motta. Ivana nos lembra que sempre foi na rua que “estas coletividades derramaram suas potências criativas, estéticas, simbólicas, fomentando uma força de pulsão de vida e encantaria. Na rua também se arreia o alguidar da oferenda. A rua é morada dos encantados, das encantadas, das forças de uma poética sagrada afro-indígena presente nos caboclos, nas pombagiras, exus (...) A rua, com sua camada de existência indisciplinar, convida ao exercício de ser/estar em co-movências, compreendendo modos dinâmicos de uma organização própria”.
“Somos um festival rueiro, amamos dançar para e com transeuntes, olhamos a cidade com encantamento, afeto, pertencimento, a Esplanada é nosso quintal, as Quebradas são nosso aconchego, as Alamedas são nossos bosques e dançamos para nos mover livres nessas paisagens bucólicas e urbanas.”, nos conta Marcelle Lago, idealizadora e também curadora do Marco Zero. O Festival é realizado com recursos do FAC - Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal.
Por Marcelle Lago, Ivana Motta, Flávia Meireles e Barbara Matias, as curadoras
SERVIÇO:
6ª Edição do Festival Marco Zero
De 21 a 28 de julho de 2023
Locais: Plano Piloto, Taguatinga e Ceilândia
Endereços e horários: confira a programação
Entrada franca e livre para todos os públicos
Informações: www.marcozerobrasilia.com
PROGRAMAÇÃO:
Abertura do Festival: Mostra de videodança
Sexta-feira, 21 de julho, na área externa da Biblioteca Nacional
Dinâmicos e intrigantes, os vídeos projetados na parede externa da Biblioteca Nacional, exibidos em sequência, funcionarão como uma instalação artística efêmera. Em conjunto, essas obras, vindas de quatro estados e do DF, poderão ser apreciadas por quem transita a pé ou de carro pelo Eixo Monumental e também pelo público que se desloca para a Biblioteca. Uma oportunidade para interagir com os bailarinos, curadores, realizadores e saber mais sobre a programação.
Às 17h30: Sessão 1
A ridícula ideia de nunca mais te ver, de Laura Virgínia - 14'42" (DF)
ITA, de Loba Makua - 4' (DF)
Locomotivas, de Marcela Felipe e Inaê Silva - 12'03" (PE)
EvaPoro - Rito de Passagem, de Maíra Tukui - 7'56" (BA)
Dança para um futuro cego, de Maria Macedo - 6'17" (CE)
Pavoa, de Sandra Kelly - 5'46" (DF)
Às 19h: Sessão 2
1lixo, de Iago Gabriel Melo - 7'34" (DF)
Ainda quando, de Luisa Machala - 13'08" (MG)
Meu Eu, de Grazielle Dias - 10'28" (DF)
FrevU, de Rebeca Gondim - 15'30" (PE)
Similitude, do grupo Pés, direção de Danilo Borges e Rafael Tursi (DF) - 6'33"
Em-margem, de Lucas Passarin e Joca Millucano - 15' (DF)
Sábado, 22 de julho, Mercado Sul Vive em Taguatinga (QSB 12/13)
Às 18h: Baileclava 4.0 de Juan Guajajara
Um levante da juventude indígena, negra, LGBT e periférica, de celebração da comunidade Ballroom. Inspirados no Movimento Zapatista Indígena, performers cobrem seus rostos com balaclavas customizadas. A performance se apresenta como um ato de resistência ao cerceamento de direitos.
Domingo, 23 de julho, no Eixão Norte
Às 11h: Antípoda Cultura da Cia de Dança Libras em Cena (altura da 208)
Inspirada no texto “Inter-Mundo”, escrito pela poeta surda Renata Rezende, a coreografia apresenta um mundo onde a Língua de Sinais é majoritariamente utilizada e que os ouvintes precisam se esforçar para se comunicar. Ao final da performance, surdos manifestam a exaustão de lidar com as barreiras que ouvintes tentam impor. Duração: 4 minutos. (https://youtu.be/TyJFPnaWLeg)
Às 14h30: Migração Sul-Sul de Diego Pizarro (da 206 Norte sentido Buraco do Tatu)
A performance busca validar conhecimentos nascidos nas lutas sociais contra a opressão do capitalismo, do colonialismo e do patriarcado. O autor propõe a imagem de uma linha que separa o que é aceito e o que é invisibilizado e conecta os movimentos de lutas do Sul Global. Duração: 3 horas.
Segunda-feira, 24 de julho, no Setor Comercial do Sul
Às 12h: Condutor e Conduzido de Marcos Davi Rocha Lima de Barros
A partir do exercício teatral "Condução Colombiana" cunhado por Augusto Boal, a performance explora as relações de contato e movimento entre o celular e o humano, utilizando-se de técnicas da dança acrobática e da mímica. Analogamente, é uma crítica sobre a priorização do celular no campo de atenção da nossa sociedade contemporânea. Duração: 15 minutos. (https://www.youtube.com/watch?v=FTH2Zm_vVGg)
Às 15h40: Ruído de Fundo da Cia. víÇeras (próximo à CAL)
Expõe sensações corpóreas ativadas ao longo de uma caminhada, fundindo corpo e urbanidade. É uma intervenção em diálogo com um local específico. O deslocamento poético é feito por um grupo de até 10 pessoas, tocadas por elementos sonoros e paisagem arquitetônica que propiciam ações que se dão durante o percurso. Duração: 60 minutos. (https://www.youtube.com/watch?v=z-HKav52g_w)
Às 17h: Barranco de Vanderlei Costa (próximo ao Posto Policial)
Entre duas pessoas, o tempo, a distância, infinitas possibilidades definem um do outro. Barranco é uma provocação sobre o que nos distingue e afasta. Barranco é também Brasília, onde o centro monumental foi erguido pelo trabalho de Candangos obrigados a morar distante. Retrato de um conflito entre o que se preserva e a voracidade do capitalismo. Duração: 30 minutos. (https://www.youtube.com/watch?v=GJXxQfTljQI)
Às 17h45: Ilógico de Thiago Augusto Macedo (próximo à W3)
Fala sobre a necessidade do artista se sustentar e ter apoio no processo de construção de carreira. Uma construção não lógica diante dos desafios que se enfrenta durante a profissionalização na arte. Percurso que faz a maioria dos artistas desistirem de suas carreiras. Duração: de 15 a 20 minutos. (https://www.youtube.com/watch?v=jHS4xnYisX0)
Terça-feira, 25 de julho, às 12h, no Restaurante Universitário da UnB
Às 12h: Arreia de Iara Campos e Íris Campos
O enredo constrói a relação entre as tradições indígenas sobre o universo dos sonhos, a criação do Caboclinho 7 Flexas do Recife. Além disso, Arreia se ancora na ancestralidade indígena que Íris, Iara e Paulinho 7 Flexas têm em seu tronco, construindo uma narrativa que honra seus antepassados. A apresentação traz à tona a resistência dos povos originários do Nordeste em diferentes contextos e aponta reflexões para preservação e manutenção de suas culturas. Duração: 36 minutos.
Às 13h: Dança-cultura do povo indígena Ticuna Magüta (AM) de Oziel Ttikuna
Somos os territórios, nossos corpos são territórios dos nossos povos, conosco carregamos as ancestralidades, a cultura, a tradição, costumes e a nossa língua. Somos vozes dos nossos povos, somos terras, somos a natureza e somos as fontes de conhecimentos. A nossa dança cultura Magüta se manifestará por meio da nossa convivência e vivência. A nossa dança, música e trades culturais serão abordados pela diversidade cultural. Os nossos clãs nos nossos rostos serão as nossas identidades, os nossos cocares serão as nossas histórias e cada movimentos representarão as nossas resistências e luta. Somos a resistência dos nossos povos Magüta e a nossa dança trará energia positiva, espiritualidade, paz e alegria. Duração: 20 minutos. (https://youtu.be/Ko_sc-g40X0; https://youtu.be/uBXM_qFNY6c; https://youtu.be/-O_9ceDPp0U)
Às 14h: Roda de Conversa com Oziel Tikuna, Iara Campos e Íris Campos
Terça-feira, 25 de julho, a partir das 17h, na Rodoviária do Plano Piloto (passarela que liga o Conjunto Nacional ao Conic)
Às 17h: Semutsoc da Cia. Corpus Entre Mundos
Contextualiza os ciclos da vida e como a esperança motiva o prazer de viver e desautomatizar o cotidiano. A cena destacada o estar consigo, sem esquecer o outro e como essa conexão é necessária. Como explica o diretor e coreógrafo Dilo Paulo, é “um despertar da potência individual e fortalecimento do coletivo”. A montagem traz referências a ritmos, danças e elementos afro-diaspóricos. Duração: 9 minutos. (www.youtube.com/watch?v=1f56Xej1Ysc )
Às 17h30: Reerguer de Karina de Oliveira Araújo
Movimentar-se, é a luta da mulher preta para se reerguer todos os dias. Com seu corpo marcado, potente e que contagia, a energia chega, se multiplica, emana e comunica com o seu redor. (https://youtu.be/CJaSrj7q9Sw) Duração: 2’30” minutos.
Às 18h30: Burnout da Cia. Under7
A coreografia Burnout foca em expressar as sensações de quando se sofre desta síndrome. Uma construção que representa o ápice do cansaço e sanidade gerados por uma cobrança insaciável de excelência das pessoas. Duração: 4 minutos. (https://youtu.be/2VK8Fw96pho)
Quarta-feira, dia 26 de julho, na Praça do Cidadão em Ceilândia (QNM 18/20)
Às 18h30: Medusa Passista de Juliana Stefane Louzada Gomes
Encenação inspirada no mito da Medusa, fábula aborda a cultura do estupro e silenciamento feminino, passista é um termo subjetivo para seu ato de carrasca. Considerada a mais bela de três irmãs, Medusa foi estuprada por Poseidon e punida por Atena, sua sobrinha, com o castigo de jamais ser contemplada, pois quem a olha é transformado em pedra. Duração: 15 minutos. (www.instagram.com/reel/CqZLK5wA-9p/?igshid=MmJiY2I4NDBkZg==)
Às 19h: Corpo-Funk de Clara Stephanie de Oliveira
Resultado de pesquisa realizada durante residência artística sobre a história do funk e como, desde a origem até os tempos atuais, o corpo foi se organizando para conversar com outros durante os bailes. Duração: 10 minutos. (www.youtube.com/watch?v=y224cZJXCSg)
Quarta-feira, 26 de julho, na Praça do Relógio em Taguatinga
Às 16h30: Qual mundo carregas em você? do Coletivo Sistema
Questiona o tempo acelerado da modernidade e que causa ansiedade. Imbuídos dessa reflexão, pessoas usando fones de ouvido imersos em seus próprios mundos enquanto transitam e seguem. Costuram movimentos nas saídas do metrô, faixas de pedestres, calçadas e no trânsito onde há o barulho da cidade. Elas dançam reverberando o bamboleio de seus corpos no espaço. Duração: 20 minutos.
Às 17h: Dança Lixo de Negro Val
De Samambaia, bailarino, coreógrafo e cantor, Negro Val apresenta a performance “Dança Lixo” motivado pelas seguintes questões: Lixões são inevitáveis? O que fazer para que não existam? Como a arte pode transformar tais espaços? Num exercício performático as perguntas funcionam como possibilidade de mudanças de postura de quem assiste. Duração: 37 minutos.
Às 17h45: Breve Costura Ancestral de Likidah
Bonecas negras feridas são apresentadas como retratos da violência da colonização. Em contraste, performers trançam símbolos de afeto e cuidado, repassando histórias para preservar a memória imortal. Duração: 35 minutos.
Quinta-feira, dia 27 de julho, no CONIC
Às 17h: Os Dançarinos Irmãos Sukulonsky de CircomVida
Dançar para comemorar a igualdade de gênero. Uma apresentação cômica, onde o assunto é a alegria de uma mulher Palhaça nas ruas e praças do DF. A crítica envolve o empoderamento feminino e o seu direito de ir às ruas, trabalhar com arte colocando o corpo e a voz no centro. Duração: 40 minutos.
Quinta-feira, dia 27 de julho, na Igrejinha (EQS 307/308)
Às 18h: Futura de Lian
Composto pelas personagens a ancestral (Idiane Crudzá), a mãe (Lian Gaia) e o filho (Luca Dan). A ancestral, em seu traje do povo Kariri-Xocó, canta, fuma seu cachimbo e sopra palavras no ouvido da criança. A mãe, balbucia e parece cansada/chorosa/exausta. Ela representa o corpo indígena mulher-terra-mãe apagado de sua identidade e de vivências. O filho, trajando o que mescla ancestralidade e futurismo, dá colo à mãe e declama em voz alta, ora em português, ora em dzubukuá-kariri-kipea, da etnia Kariri Xocó, numa tentativa de curar e continuar.
Sexta-feira, 28 de julho, a partir das 17h, no CONIC
Às 16h: Sobrecarga ou A tragédia de manter-se em pé ou Meditações sobre a verticalidade e a queda da Nave Gris Cia. Cênica (estátua de Zumbi)
Uma crítica reflexiva acerca da popularidade dos Stand Ups, uma forma cênica desprovida de recursos de encenação e tão promissora no mercado de entretenimento. Duração: 45 minutos.
Às 17h30: Cortejo das Maluvidas (cortejo Conic/Conjunto)
Maluvida, palavra muito utilizada em algumas regiões do Nordeste brasileiro, é uma pessoa mal-ouvida, desobediente e inquieta. Nossa proposta é expressar nossas inquietações como mulheres e mostrar que o nosso lugar também é na música, e na rua. Com nosso repertório de músicas compostas ou interpretadas por grandes mulheres, queremos trazer cada vez mais mulheres para o universo das fanfarras e ocupar todos os espaços com música, festa, afeto, ativismo, feminismo e luta.
Às 22h00: Às strippers, com carinho de Lala Teles (em frente à Birosca)
Uma homenagem às strippers, precursoras do pole dance. A proposta é resgatar a imagem dessas mulheres de uma maneira não romantizada e não marginalizante – a realidade é diversa e cada trabalhadora sexual tem uma relação pessoal com seu ofício. Duração: 7 minutos.
Às 22h30: Showcase da Cia Mutum (entre o Chicão e a Birosca)
Apresenta a pluralidade dos corpos na versatilidade de estéticas da dança. Ao narrar a história de corpos não padrões, os dançarinos usam de suas bagagens culturais para dialogar com um novo jeito de mover, um grito daqueles que querem mudança. A trilha sonora tem como base os ritmos regionais e afro-brasileiros. Duração: 40 minutos.
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