Prazer, renúncia e ressignificação: a jornada de ROSALÍA em “LUX”
- Rodrigo Carvalho

- há 2 horas
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Conhecidas como “eras”, artistas da contemporaneidade têm dividido seus trabalhos em espécies de capítulos muito bem estruturados daquilo que desejam contar aos fãs. Seja por meio de sonoridades marcantes expressas em seus álbuns mais recentes ou, principalmente, de visuais excêntricos, essas fases têm sido ferramentas adotadas por cantoras como Taylor Swift, em reputation (2017), e, mais recentemente, por Charli xcx, com BRAT (2024).
No entanto, a densidade de histórias tão bem construídas, com universos conceituais recheados de espaços para teorias de fãs e easter eggs, também pode trazer seus desafios. À medida que cada obra é construída e dividida com o público, surge também a dúvida: será que determinado performer conseguirá superar o próprio catálogo e seus trabalhos anteriores por meio de um novo capítulo da sua narrativa musical?
E a resposta é: sim!
Um exemplo recentíssimo de que este é, sim, um caminho bastante possível (apesar de não ser nada óbvio), no mundo da música é o quarto e último trabalho de Rosalía Vila Tobella, ou somente ROSALÍA, com o álbum intitulado “LUX” (que significa luz, em latim), que rompe as convenções do que significa produzir um álbum pop na atualidade e traz novas cores ao gênero. O trabalho, que soa quase como um batismo, é contemplativo, intenso e misterioso.
Tudo isso porque ROSALÍA combina com reinvenção.
Desde o álbum “El Mal Querer” (2018), que foi o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da Escola Superior de Música da Catalunha, e mescla o pop e o flamenco, ou por meio da reimaginação do reggaeton no mais recente “MOTOMAMI” (2022), a artista prova que sabe lidar com a inovação à cada novo trabalho.
“Quanto mais vivemos na era da dopamina, mais eu quero o oposto”, disse ao Popcast, podcast do The New York Times, sobre seu anseio para que as pessoas consigam ouvir o seu mais novo álbum sem dividir a atenção entre estímulos.
Já como uma preparação do terreno para a chegada de “LUX”, a cantora compartilhou partituras com linhas da música sob o nome de “Berghain” em seu Substack, no dia 13 de outubro. O feito, foi como um soco na boca do estômago demonstrando a complexidade de um trabalho com instrumentação orquestral que causou um grande frisson, tanto na internet quanto fora dela, com musicistas ao redor do mundo tirando a partitura em diferentes instrumentos.
Com participações de Björk e Yves Tumor, a movimentação só se intensificou com o lançamento do videoclipe no YouTube em 27 de outubro. 10 dias depois, ROSALÍA nos encantou e agraciou com a chegada de “LUX”. Na capa, a artista catalã aparece vestida com uma roupa que remete a um hábito de freira, clique creditado ao artista Noah Dillon.
Em entrevista para o apresentador neozelandês Zane Lowe, para o programa The Zane Lowe Interview da Apple Music, a artista compartilhou detalhes do processo de criação do álbum, que levou cerca de três anos para alcançar a versão que hoje conhecemos e podemos apreciar.
Mas, emocionar desse jeito tem o seu preço: a compositora de 33 anos compartilha que essa jornada de mergulho profundo em direção aos estudos a colocou diante da sua própria introspecção, onde ficou imersa convivendo quase que absolutamente com os demais envolvidos na criação do álbum, meio alheia ao próprio círculo social. Apesar da fé ser a temática central da construção sonora, ROSALÍA também fala sobre a dor, introspecção, a ideia do prazer, a busca por algo maior que a nossa humanidade e a superação.
Em entrevista, ela comentou como criou o costume de caminhar à noite ouvindo grandes compositores da música clássica, como Frédéric Chopin, Richard Wagner, Gustav Mahler, Isaac Albéniz Enrique Granados, Manuel de Falla, Johann Sebastian Bach, Pau Casals e Maria Callas, inspirações diretas para o trabalho. “LUX” é dividido em quatro atos:
1º ato: O afastamento humano da pureza;
2º ato: A paz no mundo;
3º ato: A aproximação da Graça de Deus;
4º e último ato: O encerramento do ciclo.
Com uma sonoridade onde é possível escutar toda a fisicalidade dos instrumentos de metais e cordas, ROSALÍA quis nadar contra a correnteza ao escolher, propositadamente, não utilizar loops nas gravações.
Em “LUX”, toda repetição é cantada para expressar a ideia de que aquela canção foi composta por um ser humano, onde o foco principal não é ir do ponto A para o B em um corte, mas, sim, a jornada entre esses pontos. Uma das canções, “Mio Cristo Piange Diamanti”, demorou um ano para ser produzida, o que só demonstra a primazia impressa em todo o trabalho.
“Sete céus? Grande coisa... Eu quero ver o oitavo céu. O décimo céu. O milésimo céu. Sabe… é como atravessar para o outro lado. É como passar por uma porta. Uma porta não é suficiente. Um milhão de portas não são suficientes”²










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